SPFW começa com desfile que funde arquitetura e folclore na Pinacoteca

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Como nômades em busca do desconhecido, os modelos vestiam uma espécie de look expedicionário, de viés utilitário, com bolsos, folga e amarrações expansíveis, tudo tingido pelo monocromatismo em branco, variações de cinza e verde esmaecido.


Por Folhapress Publicado 17/11/2021
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Reprodução: Pixabay

Entra temporada, sai temporada, estilistas brasileiros se digladiam na tentativa de traduzir em roupas a versão do tipo exportação da cultura popular brasileira. Muita linha já foi gasta tentando conjurar o que seria o novo luxo para um jovem afeito à moda urbana, mas cansado do mesmo combo de moletom e tênis das vitrines. Pedro Andrade quis dar uma resposta.


A estreia da grife homônima conduzida por ele e sua mulher, a também estilista Paula Kim, fundiu referências da arquitetura brasileira a um estudo minucioso de pesos, recortes e estampas quase imperceptíveis no primeiro dia da São Paulo Fashion Week.


Entre as paredes de uma Pinacoteca tomada pela instalação encomendada a Tom Escrimin, em que blocos de rocha adornados com desenhos rupestres e entremeados a uma vegetação nascente simulam um recôndito intocado do país, os modelos exibiram a pesquisa de dois anos da dupla.


Como nômades em busca do desconhecido, os modelos vestiam uma espécie de look expedicionário, de viés utilitário, com bolsos, folga e amarrações expansíveis, tudo tingido pelo monocromatismo em branco, variações de cinza e verde esmaecido. Mas são os detalhes que revelam além do campo de visão.

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As amarrações que parecem saídas do corselet feminino são releituras das cordas usadas pela italiana Lina Bo Bardi em sua linha de cadeiras criadas no final dos 1940 para a Fábrica de Móveis Pau-Brasil.


Menos conhecida do que o modelo “bowl” de sua autoria, a peça, dobrável, adornou o auditório do Masp quando ele ainda se localizava na rua 7 de Abril, miolo central da cidade.


O tricô vazado que cobre o torso é a cópia tecida dos desenhos de Oscar Niemeyer para o Palácio da Alvorada, numa união de matemática e técnica têxtil usada em favor de uma visão fashionista.


Os losangos são combinados a uma bermuda de alfaiataria, num resgate da arquitetura modernista de aliar a estética em prol da busca incessante por funcionalidade.


As curvas do Pedregulho, o conjunto residencial fincado no Rio e desenhado por Affonso Eduardo Reidy, ganham corpo num suporte enrolado na cintura que prende a coluna –no caso da coleção, a vertebral, claro– numa sutil referência ao corpo como um prédio funcional e de beleza complexa. A versão de luxo criada por essa grife encontra em Mendes da Rocha, herói de Pedro Andrade e arquiteto responsável pela Pinacoteca, seus fundamentos.


O rigor das linhas, a beleza etérea e a simplicidade brutal, assim como os tênis, as capas matelassadas e os paletós cuja beleza está nos forros costurados com linhas aparentes, os debruns, iluminam a verborragia silenciosa da coleção, que diz muito sem mostrar quase nada.

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Telas de seda e tinta descolorida quase escondem as raras estampas, desenhadas pelo artista plástico Walmor Corrêa. Elas ilustram contos do imaginário popular, a exemplo de uma sereia, que pode ser lida como Iara, a lenda das águas amazônicas hoje fustigadas pelas cinzas do fogo e que, na roupa, aparece dissecada com os órgãos para fora. Pura natureza morta.


Os pés invertidos do Curupira, a entidade das matas, ilustram a parte de baixo de calças leves, como se transformassem quem as veste no ser pronto para o combate a quem ameaça a floresta. Nenhuma relação com a urgência climática é coincidência.


Do ponto de vista sustentável, a coleção é um banho de pesquisa têxtil, como o tecido de cacto que simula o couro e, produzido por dois irmãos artesãos no México, serve de base para os calçados. A seda, brasileira, e o algodão, importado, parecem prontos para as lojas de luxo internacionais.


É que assim como aconteceu com os ícones do design homenageados na coleção, Andrade acredita que é fora do país que encontrará público disposto a desembolsar quatro dígitos por suas peças.


À reportagem, ele diz que está em tratativas para levar a coleção às multimarcas que já vendem as peças de sua outra marca, a Piet, famosa entre os amantes do streetwear.


“Queria experimentar mais, traduzir sobriedade e alfaiataria tecnológica em uma roupa que não seria absorvida pela Piet. Essa marca é mais sobre sensações, texturas e silhuetas”, explica Andrade.

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As sensações, porém, só serão disponibilizadas por aqui no mercado online, no site da marca e na plataforma Iguatemi 365, que garantiu exclusividade para a venda. Ao que parece, “o Brasil não visto”, como o texto do desfile define o tom do cenário e da própria apresentação, continuará restrito e desconhecido para a maioria dos brasileiros.

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